Cruzeiros reduzem oferta no Brasil e reforçam cobrança por avanços estruturais

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O setor de cruzeiros voltou a acender o alerta para os desafios enfrentados no Brasil. Durante o 7º Fórum Clia Brasil, realizado em Brasília nesta quarta-feira (3), representantes das principais companhias globais e nacionais anunciaram que a temporada 2025/2026 terá uma redução significativa de 20% na oferta de leitos no país. O total, que na última temporada chegou a 860 mil, passará para 674 mil leitos disponíveis. O encontro aconteceu na sede da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e contou com executivos da Clia Global, Clia Brasil, Costa Cruzeiros, MSC Cruzeiros, Norwegian Cruise Line e Royal Caribbean. Segundo as companhias, os principais motivos que explicam o recuo são os altos custos operacionais, a burocracia regulatória e a falta de infraestrutura portuária, fatores que colocam o Brasil em desvantagem frente a outros destinos mais preparados.

Para Bud Darr, presidente da Clia Global, o Brasil reúne condições naturais e de mercado para ser um dos destinos mais atrativos para cruzeiros no mundo, mas ainda não consegue traduzir esse potencial em resultados concretos. Segundo ele, o país tem “tudo” para se destacar, mas os custos elevados e a insegurança regulatória tornam os itinerários menos viáveis. “O potencial é enorme, mas o custo e a insegurança regulatória tornam os itinerários menos viáveis. O Brasil tem tudo, mas precisa organizar o ecossistema”, declarou. A percepção reforça a avaliação de que, embora a procura do público por cruzeiros esteja em alta, os obstáculos locais acabam impedindo que o setor atinja o crescimento desejado, levando empresas a redirecionarem investimentos para outros mercados mais competitivos.

Marco Ferraz, presidente da Clia Brasil, reforçou que a retração da oferta já traz impactos diretos para destinos turísticos que dependem fortemente do turismo marítimo. Segundo ele, a temporada passada esteve próxima de um recorde histórico, mas agora haverá menos portos atendidos e, consequentemente, menos turistas. “O setor sente na pele a falta de infraestrutura, os altos custos e a insegurança jurídica”, destacou. Para os municípios, a redução representa menos oportunidades de movimentar suas economias locais, que se beneficiam diretamente da presença dos cruzeiristas em restaurantes, hotéis, transportes, artesanato e comércio em geral. A diminuição da oferta de leitos reflete, portanto, não apenas na indústria marítima, mas em toda a cadeia econômica vinculada ao turismo.

Apesar da queda, a temporada 2025/2026 deverá manter o interesse do público brasileiro. O início está previsto para outubro de 2025, com a primeira atracação em Salvador, e seguirá até abril de 2026. Serão 674 mil leitos disponíveis, número ainda expressivo, mas abaixo do que o país poderia alcançar se tivesse condições mais favoráveis. Adrian Ursilli, diretor-geral da MSC no Brasil, ressaltou que a procura segue elevada, com navios praticamente lotados na última temporada. “O problema não é de demanda, mas de competitividade”, afirmou. Ou seja, existe público, existe mercado e existe interesse, mas os entraves burocráticos e estruturais limitam a expansão da oferta, prejudicando o aproveitamento pleno do potencial brasileiro no setor de cruzeiros.

Outros executivos também reforçaram essa avaliação. Estela Farina, da Norwegian Cruise Line, e Renata Lazari, da Royal Caribbean, confirmaram que suas companhias não têm planos de operar cruzeiros de cabotagem no Brasil, embora mantenham escalas e operações de luxo em águas brasileiras. Para Lazari, o país concorre diretamente com outros destinos internacionais que oferecem condições mais acessíveis e favoráveis aos negócios. “O Brasil concorre com outros mercados. Precisamos torná-lo mais acessível e favorável aos negócios”, disse. Já Dario Rustico, presidente da Costa Cruzeiros para as Américas, alertou que a falta de reação do mercado brasileiro pode levar a perdas irreversíveis. “Quando o mercado abre espaço e não há reação, a indústria se move para outros destinos. É isso que está acontecendo”, destacou, reforçando que a indústria do turismo marítimo não pode se dar ao luxo de esperar indefinidamente por soluções.

Outro ponto levantado com força durante o Fórum foi a questão da sustentabilidade. Os executivos afirmaram que as práticas ambientais já não são mais um diferencial de mercado, mas sim um requisito básico para a operação. Nesse sentido, as companhias de cruzeiros têm investido em tecnologias e iniciativas que visam reduzir o impacto ambiental de suas operações. Entre as medidas já implementadas estão a redução do desperdício de alimentos, o reaproveitamento de água e a adaptação das frotas para novos combustíveis menos poluentes. Essas práticas buscam atender tanto às exigências internacionais quanto à crescente demanda dos próprios passageiros, que valorizam empresas comprometidas com o meio ambiente.

Mesmo com os obstáculos, os dados demonstram que o setor de cruzeiros tem papel fundamental na economia local. Cada passageiro que desembarca em portos brasileiros gera impacto imediato em diversos segmentos, como gastronomia, hospedagem, transporte e comércio. Em muitas cidades costeiras, os cruzeiros representam a principal fonte de movimentação turística da temporada. A diminuição da oferta preocupa autoridades e empresários locais, que veem na atividade uma oportunidade de gerar empregos, arrecadação e desenvolvimento. Sem os navios, parte dessa receita desaparece, deixando comunidades que dependem do turismo marítimo em situação de vulnerabilidade.

Especialistas avaliam que o Brasil precisa avançar em três pontos principais para se tornar mais competitivo no cenário internacional: melhorar a infraestrutura portuária, oferecer segurança jurídica e regulatória e reduzir os custos operacionais. Muitos portos brasileiros ainda carecem de estrutura adequada para receber grandes embarcações e oferecer serviços básicos de qualidade aos turistas. Além disso, a falta de previsibilidade nas regras e a instabilidade regulatória dificultam o planejamento de longo prazo das companhias. Somam-se a isso as taxas elevadas e encargos que tornam o país menos atrativo em comparação com outros destinos da América do Sul e do Caribe.

Apesar das dificuldades, o interesse do público brasileiro por viagens de cruzeiro segue em alta, e isso é visto pelas companhias como um fator de otimismo para o futuro. O desafio está em alinhar essa demanda consistente a um ambiente regulatório e operacional mais favorável. Para os representantes do setor, com ajustes estratégicos, o Brasil poderia expandir de forma significativa sua participação no mercado global de cruzeiros, aproveitando não apenas seu extenso litoral, mas também a diversidade cultural, histórica e natural de seus destinos.

A redução de 20% na oferta de leitos para a temporada 2025/2026 acende, portanto, um sinal de alerta. Apesar do enorme potencial e da alta procura dos passageiros, os entraves locais continuam afastando investimentos e limitando a expansão do setor. Ao mesmo tempo, as iniciativas ambientais mostram que a indústria segue comprometida com práticas responsáveis e inovadoras, alinhadas às exigências globais. O futuro dos cruzeiros no Brasil dependerá da capacidade do país de investir em infraestrutura, garantir segurança jurídica e reduzir custos para que o turismo marítimo deixe de ser uma oportunidade perdida e se consolide como motor estratégico de desenvolvimento econômico e social.